quarta-feira, 1 de novembro de 2006

O problema do amor é que dura muito, já o sexo dura pouco...

"Amor é propriedade. Sexo é posse. Amor é a lei;
sexo é invasão. O amor é uma construção do desejo.
Sexo não depende de nosso desejo; nosso desejo é que é
tomado por ele.Ninguém se masturba por amor.
Ninguém sofre com tesão. Amor e sexo, são como
a palavra farmakon em grego: remédio ou veneno
- depende da quantidade ingerida.

O sexo vem antes. O amor vem depois. No amor,
perdemos a cabeça, deliberadamente. No sexo,
a cabeça nos perde. O amor precisa do pensamento.
No sexo, o pensamento atrapalha.
O amor sonha com uma grande redenção.
O sexo sonha com proibições; não há fantasias permitidas.

O amor é o desejo de atingir a plenitude. Sexo é a
vontade de se satisfazer com a finitude. O amor vive
da impossibilidade - nunca é totalmente satisfatório.
O sexo pode ser, dependendo da posição adotada.

O amor pode atrapalhar o sexo. Já o contrário
não acontece. Existe amor com sexo, claro, mas nunca
gozam juntos. O amor é mais narcisista, mesmo entrega,
na 'doação'. Sexo é mais democrático,
mesmo vivendo do egoísmo.

Amor é um texto. Sexo é um esporte. Amor não exige
a presença do 'outro'. O sexo, mesmo solitário,
precisa de uma 'mãozinha'. Certos amores nem precisam
de parceiro; florescem até na maior solidão e na
saudade. Sexo, não - é mais realista. Nesse sentido, amor
é uma busca de ilusão. Sexo é uma bruta vontade de verdade.

O amor vem de dentro, o sexo vem de fora.
O amor vem de nós. O sexo vem dos outros. 'O sexo
é uma selva de epilépticos' (N. Rodrigues). O amor
inventou a alma, a moral. O sexo inventou a moral também,
mas do lado de fora de sua jaula, onde ele ruge.
O amor tem algo de ridículo, de patético, principalmente
nas grandes paixões. O sexo é mais quieto, como um
caubói - quando acaba a valentia, ele vem e come.
Eles dizem: 'Faça amor, não faça a guerra'. Sexo quer guerra.
O ódio mata o amor, mas o ódio pode acender o sexo.

Amor é egoísta; sexo é altruísta. O amor quer superar a morte.
No sexo, a morte está ali, nas bocas. O amor fala muito.
O sexo grita, geme, ruge, mas não se explica.
O sexo sempre existiu - das cavernas do paraíso
até as 'saunas relax for men'. Por outro lado, o amor foi
inventado pelos poetas provençais do século XII e, depois,
relançado pelo cinema americano da moral cristã.

Amor é literatura. Sexo é cinema. Amor é prosa; sexo é poesia.
Amor é mulher; sexo é homem - o casamento perfeito é do
travesti consigo mesmo.
O amor domado protege a produção;
sexo selvagem é uma ameaça ao bom
funcionamento do mercado.
Por isso, a única maneira de controlá-lo
é programá-lo, como faz a indústria da sacanagem.
O mercado programa nossas fantasias.
Não há 'saunas relax' para o amor, onde
o sujeito entre e se apaixone.No entanto,
em todo bordel, finge-se um 'amorzinho' para iniciar.

O amor virou um estímulo para o sexo. O problema do
amor é que dura muito, já o sexo dura pouco. Amor busca uma
certa 'grandeza'. O sexo é mais embaixo. O perigo do sexo é
que você pode se apaixonar. O perigo do amor é
virar amizade.Com camisinha, há sexo seguro,
mas não há camisinha para o amor.

O amor sonha com a pureza. Sexo precisa do pecado.
Amor é a lei.Sexo é a transgressão. Amor é o
sonho dos solteiros. Sexo, o sonho dos casados.
Amor precisa do medo, do desassossego.
Sexo precisa da novidade, da surpresa.
O grande amor só se sente na perda. O grande
sexo sente-se na tomada de poder.

Amor é de direita. Sexo, de esquerda - ou não,
dependendo do momento político. Atualmente,
sexo é de direita. Nos anos 60, era o contrário.
Sexo era revolucionário e o amor era careta".


Arnaldo Jabor