quinta-feira, 26 de março de 2009

Memórias de uma infância 2

Quando não estava em recuperação de uma operação, andava sempre em vários médicos e terapeutas. Era a terapeuta da fala duas vezes por semana, era o dentista no mínimo uma vez por semana.

No dentista eu chegava à “minha” cadeira, sentava-me, esperava que o médico me subisse, esticasse e apontasse a luz para a minha boca, a rotina de sempre.
Ele era sempre um doutor mestrado professor, que depois chamava os seus colegas doutores mestrados professores, que depois chamavam os seus melhores alunos, que depois chamavam a escola inteira.

Resumindo, nunca tinha apenas uma pessoa a mexer-me na boca e a medir a altura/comprimento/área de cada um dos meus dentes, assim como, a aplicação do fluor e a teoria de qual a melhor maneira de eu lavar a minha boca diariamente.

Sei que a monotonia de estar para ali deitada a mexerem-me na boca era tal, que eu pura e simplesmente adormecia.

Era a paciente fácil, assim me chamavam, pelo facto de dormir na cadeira e não me incomodar com o que me faziam na boca.

sábado, 7 de março de 2009

Memórias de uma infância 1

Depois da operação vem o recobro, a seguir ao recobro vem a velha tradição.
Vou para o quarto onde estão os outros meninos. Alguns já operados em recuperação como eu, outros aguardam a sua operação.

O Miguel já estava a minha espera, sempre a falar muito de quem era novo e de quem não era, e das saudades que tinha de ir para casa e que nunca mais ficava melhor.
(a sua linguagem era única, só quem o conhecesse a mais tempo é que saberia escutá-lo).

Ainda estou grogue da anestesia, não entendo nada do que ele diz. Tento arrastar a mão para debaixo da almofada a procura da surpresa, mas não consigo. Volto a dormir.

Acordo no meio do chão, as Sras Enfermeiras esqueceram de colocar as grades, um enorme galo na testa, todos acordam com a minha queda.
Começa o burburinho habitual num quarto com cerca 6/7 crianças e tudo a rir de mim.

Lá veio a Sra Enfermeira pegar-me ao colo e a por-me na cama, verifica que não foi nada de mais e lança o seu “ppxxiiuu” famoso.
É agora que vou ver a surpresa, reparo que me deixaram balões, penso que amanhã vou ter de pedir a alguém para mos enxer, para depois os estoirar (obviamente).

No dia seguinte, lá andava eu a pedir que me enxessem os balões, com o meu “lençol” atrás e mais um enorme galo na cabeça.
O “lençol” era um babete que eu tinha sempre para depois das operações, devido a anestesia os meus músculos da boca não funcionavam a 100% e entao babava-me muito. Era assim que me tratavam “A menina do lençol”.